sábado, 23 de janeiro de 2010

Crónicas de uma rapariga gira [2ª série] 3ª

Parece que a partir de certa idade há questões recorrentes que nem sempre são muito confortáveis. Parece-me uma questão de organização social, de cumprimento de papéis na sociedade. Até uma certa idade podemos não ser casados nem ter filhos. No entanto, depois dos 30 e tais, começa a ser um factor que nem sempre é aceitável. É o comentário como que se falasse de um personagem estranho: "Ela disse que não quer ter filhos!". Isto gera um número enorme de questões: Que mulher é que pode dizer isso? Como é que ela se atreve a não cumprir os designíos da espécie? E o pior é o que fica nas entrelinhas da afirmação. Isso é mesmo o que incomoda. O que não é dito. A outra questão que preocupa a nossa sociedade de cariz judaico-cristão, é as pessoas não serem casadas. As perguntas sobre o "Quando te casas?". E outra vez as entrelinhas. E outra vez o que não é dito.

Às vezes, até parece que mulheres que não são casadas ou não têm filhos têm uma espécie de handicap no Bilhete de Identidade. Se for divorciada e com filhos, é vista como uma mulher que teve azar com o companheiro, mas corajosa por cuidar da prole. Já cumpriu o papel. No entanto, solteira sem filhos com os tais 30 e tais, ou é devassa, ou é esquisita, ou não se contenta com nada, ou só quer coisas fugazes ou então é lésbica Tenta-se por tudo fazer pressão para perceber de qual as hipóteses se trata. Para não falar da quantidade de situações que se põe de parte estas mulheres que não são completas.

É claro que como estas mulheres são cada vez mais comuns. Como é óbvio, começa-se a aceitar com mais naturalidade que existam e já existem pessoas que até encaram isto sem se chocarem. No entanto, continuo a sentir esta pressão, estas perguntas, as entrelinhas que tentam adivinhar qual destas hipóteses se adapta. Até amigos mais distantes fazem isso. Aparecem os  "És muito difícil de contentar" ou "Optaste pela carreira, foi?".

Quando é que percebem que, este pode não ser o caminho de algumas das mulheres do mundo? E se deixam de chocar com essa escolha? Afinal não é a possibilidade de escolher caminhos que caracteriza a liberdade? É que se não é, eu estou confusa nas definições que faço de liberdade e escolhas.

Quando é que pensarão que em determinados momentos da vida de uma mulher, por este ou aquele motivo, que falarei noutra altura, pode estar-se sozinha, pode não se ter tido envolvimentos com homens-anti-compromisso? E, que o caminho destas mulheres é igual ao de tantas outras, mas simplesmente as opções que foram fazendo as afastou do caminho do casamento e dos filhos, apesar de serem o que querem?

Gostava que se aceitasse melhor a liberdade de escolha de cada um: quer seja uma escolha de não querer trilhar determinados caminhos, quer seja o de escolher um caminho, mas com opções que foram afastando do principal objectivo. Acho que demonstrava mais humanidade pelo outro. Acho que seria também uma questão de respeito pela diferença do que achamos que deve ser.

1 comentário:

  1. Concordo plenamente com tudo o que escreveste.
    E pôs-me a pensar se essa "pressão" não é também exercida sobre / sentida pelos homens também... Será mais? Será menos? Serão os mecanismos diferentes? Serão os homens formatados no sentido de não o perceberem ou negarem?... Tanta perguntinha porquê?! Ora, porque estou numa situação idêntica (30 e mtos, single, no kids)e não sei bem o que penso sobre o tema e sinto sobre a situação...

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